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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

CONVERGÊNCIA (QUASE PERFEITA) DE MÍDIA




Um dia, o homem resolveu que a memória do seu tempo deveria ser preservada. Na época, chamada Paleolítica, mais de 10 mil anos antes de Cristo, obviamente devido à falta de material mais adequado, as paredes das cavernas serviram ao propósito almejado pelos nossos distantes ancestrais. Altamira, na Espanha; Lescaux, na França, e aqui nestas sul-americanas plagas, mais exatamente no Piauí, nos parques nacionais de Sete Cidades e da Serra da Capivara o homem gravou, nas cavernas, registros de sua passagem pelo mundo. As pinturas rupestres trazem momentos do cotidiano de uma época perdida na noite dos tempos.
Mas a roda da evolução não para. Muitos milhares de anos depois, egípcios, etruscos, sumérios e outros povos desenvolveram suas técnicas particulares de registrar, para a posteridade, fatos e eventos de sua vida em sociedade. Neste contexto, destacam-se os fenícios, cuja maior contribuição para o mundo ocidental foi a invenção do alfabeto, uma ideia brilhante que usava símbolos para representar os sons, em lugar dos desajeitados hieróglifos e da escrita cuneiforme. Desta forma, a guerra e a paz, a ciência e a superstição, a vida e a morte, quase todo o conhecimento de tempos passados chegaram até nós.
O homem, entretanto, é um animal inquieto e curioso, nunca satisfeito com o que já sabe e procurando desvendar os mistérios que o cercam. Assim, crescem a ciência e o conhecimento, e não foram poucas as mentes que, de um modo ou de outro, colaboraram para a expansão, cada vez maior, do saber. Entre esses, está Johann Gutenberg, considerado o inventor dos tipos móveis e, assim, responsável pelo impulso definitivo na arte de produzir textos impressos. Daí em diante, paulatinamente, o mundo da informação começou a tomar o caminho que chegou aos tempos atuais.
O resto, já sabemos. Vieram os jornais impressos, depois o rádio, a televisão e, mais recentemente, a internet, e a informação espalhou-se pelo mundo, consolidando o que Marshall MacLuhan chamou de aldeia global. Neste ponto, chegamos à expressão-símbolo da comunicação integrada do século XXI: a convergência de mídia.
O que é isso? Bom, no tempo em que reinava absoluto o jornal impresso o mundo parecia andar mais devagar. As notícias chegavam aos destinatários dias, semanas ou meses após partirem do local de origem. A notícia da morte do presidente Abraham Lincoln, por exemplo, levou 13 dias para atravessar o Atlântico e ir dos Estados Unidos à Europa. Mais tarde, as ondas do rádio encurtaram as distâncias, aproximando povos e países. Também é exemplo marcante o fato de os refletores que iluminam a estátua do Cristo no alto do Corcovado, no Rio de Janeiro, terem sido acesos a partir de um comando elétrico emitido em Roma, por Guglielmo Marconi, no dia 12 de outubro de 1931, às 19 horas e 16 minutos.
No campo da informação, jornal e rádio se completavam. As notícias veiculadas pelo rádio (tal como mais tarde iria acontecer com a televisão) eram lidas dos jornais. Então, surgiu a caixinha mágica: a televisão. Completava-se o círculo da informação: no jornal, líamos; no rádio, ouvíamos e a televisão trouxe, além do ouvir, o ver. Já não eram mais necessárias as asas da imaginação impulsionadas pelo rádio. A partir de então, som e imagem casavam-se para colocar o mundo a um toque dos dedos. Ligava-se a televisão e pronto, lá estavam notícias vindas dos quatro cantos da Terra e, mais tarde, até da Lua.
Mas, como sabemos, a evolução parece não ter limites e, no círculo da informação, um novo elemento surge: a internet, acelerando ainda mais a velocidade da informação.
Aí, meus caríssimos, não teve mais jeito! Os assim chamados veículos de comunicação, que também respondem pelo nome de mídia, uniram-se para encher o mundo de notícias, e o vasto mundo de Drummond ficou pequeno, muito pequeno. A Europa ficou do outro lado da rua, a Ásia, na outra esquina; a Austrália, ali mais adiante. Qualquer evento, em qualquer parte do mundo espalha-se em segundos pelos quatro continentes. Rádio, televisão e internet unem-se para nos trazer, ao vivo (e em cores) o que antes líamos, um ou dois dias depois, nas páginas dos jornais.
A globalização é isso. A aldeia global é isso. O avanço tecnológico é isso.
O que nos reserva o futuro? Difícil dizer. E agora, com a internet, o que podemos esperar? Não sei. Mas sei que tudo isso, e em especial a internet, acabou por matar uma outra mídia – chamemo-la assim. Poucos dela se lembram, talvez apenas os mais velhos, e pouquíssimos a preservam: a carta social, assassinada sem dó nem piedade pelo e-mail, filho da internet. Habituamo-nos à velocidade da vida moderna e não nos damos mais o luxo de sentarmos e escrevermos cartas para aqueles a quem prezamos. Por e-mail, mandamos notícias velozes e sucintas, que nada têm a ver com as mal traçadas linhas do romantismo da carta manuscrita, muitas vezes ansiosamente esperada por dias.
Assim é a vida: para cada coisa que conquistamos, há uma que fica para trás. Os modernos veículos de comunicação unem-se para que nos mantenhamos instantaneamente informados e, nessa convergência, deixamos papel de carta, envelope e selo nos arquivos da memória. É a imperfeição – única – da convergência de mídia. Sinal dos tempos!

FLORES DO CERRADO


José Geraldo C. Trindade

O dia amanhece. Os primeiros raios do sol espalham calor pelo solo, dourando a vegetação. As flores parecem acordar ao chamado dos raios solares. Aos poucos, as minúsculas gotas do sereno evaporam e os reflexos antes prateados sobre as folhas e flores dão lugar ao mundo de cores que caracteriza a flora do cerrado.
À medida que o calor aumenta, as flores tornam-se mais vivas, mais dispostas, prontas para enfrentar mais um dia. É a vastidão do cerrado que começa a ganhar um sem número de cores e de matizes saídos da paleta do mais sensível dos artistas: a natureza. Até onde os olhos alcançam, a rica e, por vezes, exótica flora prende os olhos do observador mais curioso. E há muito o que admirar.
As chuvas ainda não chegaram e, por isso, a sucupira do campo expõe suas flores azul-escuras, quase roxas. Mais adiante, destacam-se o amarelo intenso da bolsa-de-pastor e as pequeninas flores amarelas da marcela. Acolá, o ipê, com suas delicadas flores de um amarelo forte, sobressai majestoso entre as demais árvores e arbustos do cerrado. As orquídeas, de muitas cores e formatos, saúdam o dia que desponta com a força de sua requintada e exótica beleza. Mas, entre todas as flores do cerrado, uma se destaca pelo efêmero de sua existência: é a embiruçu. Ela nasce com o sol, proporcionando o belo espetáculo de seus finos estames branco-amarelados, e morre com ele. Sua beleza simples não dura mais que poucas horas. É como se ela nos lembrasse de que tudo é passageiro, nada permanece, nem mesmo as lembranças.
Não há uma época mais bonita que outra no cerrado. Enquanto as chuvas não chegam, a paisagem é de uma beleza quase agressiva e rude. É a época do estio, da seca que cresta o chão e mata flores e arbustos que são próprios de outra estação. É a época em que o céu, do mais puro azul, parece cobrir o cerrado e em que a noite derrama sobre as pétalas o orvalho, uma bênção que se espalha sobre todas as flores, sobre todas a folhas, como se para aliviá-las do calor do dia.
Um dia nasce, e mais outro, e mais outro, e mais outro, no eterno renascer da vida. E a mágica beleza do cerrado se revela, também, nos longos estames vermelhos da esponjinha, nas flores brancas do marmeleiro-do-cerrado, nas graciosas flores brancas da magava brava e nas flores brancas do jatobá-do-campo.
Essas e muitas outras flores, próprias do estio, são a prova de que o cerrado não morre e de que, mesmo sob a inclemência do sol, a beleza delicada das flores enche o cerrado de vida. E, em meio a esta beleza agreste, selvagem, os delicados estames da embiruçu continuam seu ciclo interminável de vida e morte ao nascer e ao pôr do sol.
Um dia, porém, o cenário se transforma. O azul do céu desaparece, escondido por nuvens escuras, e gotas de chuva tocam o solo seco do cerrado anunciando um novo milagre. É a estação das águas, e os estames compridos e amarelos dos piquizeiros despontam, marcando a chegada de um novo tempo. Mais um pouco e as chuvas cairão com mais intensidade, e o ciclo de vida do errado encerrará uma fase e dará início a outra.
Não demora e as flores alvas e grandes da mangaba, as pequeninas flores amareladas da douradinha-do-campo e as delicadas flores rosa-marrom da imbaúba, entre muitas outras, darão novas cores ao cerrado.
O milagre das águas traz outro milagre: o da vida que se renova. É como se as águas lavassem tudo o que passou e preparassem o mundo para um novo espetáculo de beleza.
Com a chegada das águas, a embiruçu mergulha em seu longo sono, do qual só despertará quando as chuvas forem embora. Respira-se, nesta época, o ar mais úmido e o cheiro de terra molhada. O verde que cobre o cerrado é mais intenso. E um mundo de novas formas e cores, antes adormecido, abre-se para a luz do dia. As vistosas flores brancas do pau-santo, as pequenas flores brancas das cinco-folhas, as belas flores roxo-azuladas do maracujá silvestre, são elas que, agora, enchem o cerrado de vida e de beleza.
O tempo avança e o festival de cores e formas continua. Molhadas pelas águas da chuva, a guela-de-pato, com suas flores brancas e rosas, as flores laranja e amarelo da chapéu-de-couro e as lindas flores amarelas do pau-terra integram-se à melodia do cores que ilumina o cerrado.
O tempo avança ainda mais e, um dia, pouco após o nascer do sol, os delicados estames brancos da embiruçu saúdam mais uma vez a luz do dia. Ela vai morrer no final da tarde e renascer na manhã seguinte, marcando o início de mais um ciclo na vida do cerrado. As águas se foram, é tempo de estio, é o tempo de novas cores e formas nas manhãs e noites do cerrado.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

De volta às batatas...

A foto de capa do Correio Braziliense de sábado (5/11) é bastante sugestiva. Dilma, Obama e Sarkozy, com cara de muito poucos amigos, pareciam olhar os destroços da reunião do G-20, o clube dos ricos. Discutiram, discutiram, brindaram, brindaram (claro que houve comes-e-bebes!), conversaram, conversaram e não chegaram a lugar algum. O objetivo era arranjar uma solução para a crise que preocupa a Europa e, por tabela, o resto do mundo. Abre parênteses: globalização é isso, o vento que sopra lá pode derrubar casas aqui. Fecha parênteses.
As 20 maiores economias do mundo não se entenderam, o que, no fundo, não deve espantar ninguém. Afinal, quando foi que alguém viu as nações ricas, todas elas, unidas em prol de um ideal comum?
Assim é que, como diziam os antigos, fica tudo como dantes no quartel d’Abrantes: os ricos continuam ricos, os pobres continuam pobres e os paupérrimos continuam morrendo de fome.
E, enquanto os melhores cérebros político-econômicos do mundo buscam uma solução para o Velho Mundo, a turma da arquibancada continua se perguntando quando veremos programas assistenciais, patrocinados pelos ricos, tirarem milhões da miséria. Como acreditar que eles vão estender a mão para o mundo se nem dentro de casa eles conseguem resolver suas desigualdades sociais?
Para os países pobres, esperanças vãs; para o ricos, batatinhas fritas, sequinhas e crocantes.
Como diria Sarkozy, entre uma taça e outra de Verve Cliquot, c’est la vie

domingo, 6 de novembro de 2011

AMÉLIA NÃO É MAIS AQUELA



E o Senhor Deus disse: ‘Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele. [...] Então, o Senhor Deus adormeceu o homem; e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma de suas costelas [...]. Da costela que retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher e conduziu-a ao homem” (Gen. 2, 18-21). E foi assim que tudo começou. O que se seguiu, todo mundo já sabe. A serpente tentou a mulher, a mulher tentou o homem e os dois, até hoje, estão tentando se entender.
Diz, ainda, a Bíblia que, por conta da gulodice de Eva, Deus sujeitou-a ao homem e assim foi por muitos e muitos e muitos anos. Até que, um dia...
Um dia, em algum momento do passado, uma mulher disse: opa! Chega, tá demais! Devem ter-lhe perguntado: tá demais o quê? Ao que ela respondeu: esse negócio de que só o homem tem regalias e, pra nós, mulheres, sobra o pesado, a banda podre! Chega disso de o homem ficar por cima! (ops!!) Mulheres do mundo, uni-vos.
Começava, assim, a Primeira Internacional essencialmente feminina. Levanta-se a bandeira em prol do fim da dominação do homem. E este, coitado, sem entender direito o que estava acontecendo, via uma pilha de sutiãs queimando em praça pública enquanto uma voz feminina decretava o fim da opressão. Mas opressão de que, do sutiã?, perguntava-se o transeunte distraído. Não era apenas uma revolta contra essa inocente peça do vestuário, era o primeiro passo em direção ao novo mundo, um mundo no qual a mulher queria ser parte atuante, e não apenas ficar na cozinha da história.
E o homem, o que ele achava de toda aquela história. Bom, o homem continuava tomando sua cervejinha gelada, torcendo pelo time do coração e paquerando a mulher do vizinho, a boazuda que morava ao lado. Até que um dia...
Um dia, o cara chegou a casa e encontrou um bilhete: fui ao cinema com duas amigas. Depois, vamos tomar um chopinho por aí. Como por aí?! Mulher de respeito não anda por aí tomando chopinho com as amigas! O que é que vão pensar? Nada, companheiro, ninguém vai pensar nada. É mais do que comum uma rodinha de mulheres em um bar, tomando sua cerveja com tira-gostos light ou diet (muitas delas preocupam-se com os gramas a mais, é o eterno feminino!).
E o menino? Cadê a babá? Tá de folga hoje. Compete a você, caro ex-machão, a insigne tarefa de trocar as fraldas do herdeiro, limpar-lhe o bumbum, o óleo Johnson está ali na cômoda, dar-lhe a sopinha, preparar a mamadeira para mais tarde, porque o seio materno só vai chegar, literalmente, depois das onze, vestir o pijaminha e botar o rebento para dormir. O quê? Esta rotina arrebenta-lhe os nervos? Pois espere mais um pouco, e vai chegar o dia em que a madame tem um convite para um chá de fraldas, com frequência exclusivamente feminina, e cabe-lhe a honrosa tarefa de dar banho no pimpolho, vesti-lo e levá-lo à festa de aniversário do coleguinha que completa a segunda primavera. E, em meio à barulhenta alegria da garotada, você resolve vingar-se do mundo e da querida companheira e enche a cara de cajuzinho.
O tempora, o mores!, diz você, lembrando os dias distantes em que você rogava pragas para o professor de latim. É isso mesmo, caro superpai. Ó tempos, ó costumes! Os tempos e os costumes são outros. Hoje, somos todos iguais. É a lei, está na Constituição. Não adianta reclamar. Elas ganharam poderes, superpoderes, e agora querem conquistar o mundo.
Mas, convenhamos, está bom assim. Divisão de tarefas, divisão de responsabilidade, divisão de sucessos e, às vezes, de derrotas. Consideremos que a intenção do Criador era a melhor possível. Afinal, elas ainda enfeitam os dias, perfumam o caminho por onde passam e, não poucas vezes, são bálsamos para olhos cansados. Lembre-se de que não há nada melhor que uma mulher para elevar espíritos deprimidos ou deprimir espíritos elevados.
Se ela demora a chegar, é porque o papo com as amigas está animado, o chopinho está gelado e a batatinha frita, uma delícia. O que é que você vai fazer? Ora, esqueça a televisão, abra a sua cervejinha, refestele-se no sofá, pegue um bom livro e relaxe. Amanhã é sábado, dia daquela pelada no clube. É a sua vez. Afinal, igualdade é isso.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

E os maias, hein? Dizem que eles disseram, mas não é nada disso!

Hoje é dia 2 de novembro de 2011. Faltam, exatamente, 59 dias para o fim do ano. Depois? Chega 2012, ano que os catastrofistas elegeram para (mais um) fim do mundo. Talvez eles estejam esperando, com a desequilibrada sanha dos sadomasoquistas, a chegada do dia 22 de dezembro de 2012, quando se completa um ciclo do calendário maia e, então, acaba-se a vida humana no planeta azul.
Todavia, notícia publicada pela agência EFE com o título Fim do mundo previsto pelos maias é um erro de interpretação (crédito para Elisa Barragán Méndez) frustra as catastróficas esperanças da turma. O prognóstico maia do fim do mundo foi um erro histórico de interpretação, segundo revela o conteúdo da exposição "A Sociedade e o Tempo Maia" inaugurada recentemente no Museu do Ouro de Bogotá.
Segundo o arqueólogo Orlando Casares, do Instituto Nacional de Antropologia e História do México (INAH) e um dos curadores da mostra, "para os maias não existia a concepção do fim do mundo, por sua visão cíclica." A era, explica Casares, “conta com 5.125 dias, quando esta acaba, começa outra nova, o que não significa que irão acontecer catástrofes; só os fatos cotidianos, que podem ser bons ou maus, voltam a se repetir".
A exposição no Museu do Ouro explica o curioso e elaborado sistema de medição do tempo do povo maia.
"Um ano dos maias se dividia em duas partes: um calendário chamado Haab, que tratava das atividades cotidianas, agricultura, práticas cerimoniais e domésticas, de 365 dias; e outro menor, o Tzolkin, de 260 dias, que regia a vida ritualística", acrescenta Casares. A observação de ambos os calendários permitia que os cidadãos se organizassem. Desta forma, por exemplo, o agricultor podia semear, mas sabia que tinha que preparar outras festividades de suas deidades, ou seja, "não podiam separar o religioso do cotidiano". Ambos os calendários formavam a Roda Calendárica, cujo ciclo era de 52 anos, ou seja, o tempo que os dois demoravam a coincidir no mesmo dia. Para calcular períodos maiores utilizavam a Conta Longa, dividida em várias unidades de tempo, das quais a mais importante é o baktun (período de 144 mil dias). Na maioria das cidades, 13 baktunes constituíam uma era e, segundo os cálculos, em 22 de dezembro de 2012 termina a presente.
Isso significa que toda barulheira feita em torno do fim do mundo (e teve quem misturasse os maias com Nostradamus) não passa de coisa de quem não tem nada melhor para fazer. Não há quaisquer evidências, arqueológicas ou não, que deem suporte ao propalado fim do mundo.
Mas é bem provável que haja, ainda, quem acredite em semelhante bobagem e até já deixou de lado a esperança de acompanhar a seleção brasileira na Copa de 2014 (dois anos após o fim do mundo).
Aos catastrofistas de plantão, seguramente frustrados com a notícia da EFE, que tal alguns cálculos astronômicos para determinar com precisão uma nova superconjunção astral que, juntamente com um gigantesco buraco negro, arrastará o planeta Terra literalmente para o buraco em algum momento do século XXIII. Que tal na primavera do ano 4356? Quem viver, verá.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Aos miseráveis, nem batatas...

No momento em que o mundo comemora (?) o nascimento do habitante 7 bilhões, a Agência Globo informa que, diariamente, 7,6 milhões de crianças morrem por causas evitáveis. Para reduzir (já que não parece possível evitar) este morticínio, seriam necessários programas que beneficiariam 90% das crianças em estado grave de desnutrição – o que representaria a salvação de 1,1 milhão de crianças  e prevenindo a desnutrição em outros 150 milhões. Há dinheiro no mundo para ações deste tipo? Claro que sim! Basta lembrar que as nações que integram o G-20 são responsáveis por 90% do PIB do mundo. Até aí, tudo bem. Agora vem a melhor (ou pior?) parte da notícia. Para salvar todas estas crianças seriam necessários investimentos da ordem de 11,8 bilhões de dólares por ano. É muito? Pois saibam que cálculos feitos pela ONG Visão Mundial mostram que nos Estados Unidos os gastos com batatas fritas chegam, anualmente, a 13,6 bilhões de dólares. É isso mesmo: US$ 13,6 bilhões em batatas fritas, e só nos Estados Unidos.
Dá para acreditar que há alguém – entre os que detêm o poder no mundo – interessado em salvar vidas de crianças na África, por exemplo? Muitos ainda têm gravada na memória a imagem do abutre esperando a morte por desnutrição de uma menina sudanesa. A foto, que deu a seu autor, o sul-africano Kevin Carter, o prêmio Pullitzer para a melhor fotografia de 1994, correu o mundo e ainda hoje é um símbolo cruel da miséria e da insensibilidade humana. Carter fez a foto, enxotou o abutre e foi em busca de outras imagens, abandonando a menina à mercê da sorte. Ele suicidou-se pouco tempo depois, aos 32 nos, envenenando-se com o monóxido de carbono do escapamento do próprio carro, por não aguentar o peso na consciência, tornado maior pela divulgação mundial da foto e pela curiosidade dos que queriam saber o porquê de ele ter-se limitado à foto, sem tentar salvar a criança.
E quantas outras crianças estão, ainda hoje, 17 anos depois, servindo de repasto para abutres nas vastidões miseráveis da África e em muitos outros lugares do mundo? Se uma imagem tão cruelmente chocante como aquela não comoveu o mundo, não levou a ações efetivas para que aquela cena não mais se repetisse, como acreditar que outros milhões de crianças não terão o mesmo destino, enquanto o mundo come, tranquilamente, batatas fritas?
A ironia machadiana encontra espaço aqui: “ao vencedor, as batatas”, aos miseráveis, os olhos agudos dos abutres. 

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

QUEM QUER O FIM DO PAPEL?


Qualquer conversa, hoje, que tenha os produtos impressos (livros e jornais) como centro de discussão leva inevitavelmente a uma encruzilhada: o texto no papel vai acabar um dia? Uns apostam que os próximos 50 anos verão uma drástica diminuição no volume de textos impressos. Um dos argumentos, bem ao agrado dos ecologistas, refere-se à sobrevida das árvores. Dizem eles que quanto menos papel, menos árvores abatidas. É um pensamento muito simplista: há muitas empresas que trabalham com o manejo no cultivo de árvores, plantando-as em áreas cuidadosamente trabalhadas, até porque é delas que vem sua matéria-prima: a celulose, e dessa, o papel. Outros afirmam que a tecnologia será a responsável pelo fim do livro e do jornal impressos, e apontam os e-books e o jornal online como os carrascos daquilo que, hoje, eles já veem como espécimes em extinção.
Não creio que seja possível afirmar, hoje, que livros e jornais desaparecerão em meio século. Devemos lembrar que a palavra escrita ainda é nossa ferramenta mais efetiva para conhecermos e compreendermos o mundo.
A escrita surgiu há cerca de 6 mil anos, quando as palavras eram escritas em tabuletas de argila ou de pedra. Mais tarde, por volta de 3.500 a.C. os sumérios criaram a escrita cuneiforme, mais ou menos na mesma época em que surgiram os hieróglifos. A disseminação da escrita pelo mundo antigo levou à busca por novos materiais que servissem de base para as palavras e, três milênios antes de Cristo, os egípcios inventaram o papiro, nome que deriva de uma planta que cresce nas margens do Nilo e da qual eram extraídas fibras para a fabricação, por exemplo, de cordas e de embarcações. De suas folhas fazia-se, também, o papiro para a escrita.
Outros materiais surgiram, como os pergaminhos, feitos do couro curtido de bovinos, bem mais resistentes que o papiro. Finalmente, 105 anos depois de Cristo, um chinês, T’sai Lun, inventou o papel, a partir de uma mistura umedecida de casca de amoreira. E, embora o segredo tenha sido cuidadosamente guardado, em 610 A.D. o papel chegou ao Japão e, daí, espalhou-se pela Ásia Central, o Tibete, a Índia e, graças aos árabes, passou a ser fabricado em centros desenvolvidos no Oriente (Bagdá, Damasco e Cairo) chegando ao Marrocos e, daí, cruzando o Mediterrâneo, aportou na Espanha e na Sicília.
Hoje, ao abrimos um livro ou um jornal, não paramos para pensar no caminho longo percorrido por aquele material que temos nas mãos. Será que, após seis milênios de presença em todos os cantos do mundo, o papel vai, simplesmente, desaparecer?
Jornais online são importantes, sem dúvida. Eles nos dão, praticamente em tempo real, notícias mesmo das mais remotas regiões do mundo. Mas de forma rápida e, em geral, superficial, sem muito aprofundamento. Os detalhes, as causas, os desdobramentos, tudo isso vai ser lido no bom e velho jornal na manhã seguinte. E o que dizer do prazer de ler um livro, de rabiscar suas páginas, de marcar aqui e ali passagens que nos tocam? E não se pode dizer que eles são menos práticos que os e-books. Além do mais, livros não são passíveis de problemas técnicos, não têm baterias para serem recarregadas, não dependem de chips que podem apresentar problemas. Basta abri-los e viajar na narrativa.
Bill Gates, presidente da Microsoft, já tentou mostrar a existência de uma sociedade sem papel. Só que, para expor seus pontos de vista a respeito do tema, ele teve que escrever um livro, isto é, dobrou-se ao papel.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

QUE LÍNGUA É ESSA?


José Geraldo C. Trindade

No conto “O espelho”, Guimarães Rosa usa a expressão salto mortale no lugar da palavra morte, e justifica: “por precisarem de toque e timbre novos as comuns expressões amortecidas”. Quer dizer, por que não usarmos, de vez em quando, palavras ou expressões que deem nova cor ao texto, ao invés de usarmos outras de uso comum e já batidas pelo tempo de uso? Até aí, tudo bem. A língua é rica e podemos construir metáforas, metonímias e mais o que for necessário para dar mais beleza ao discurso.
O que dizer, porém, de expressões que invadem a língua com a desfaçatez de quem entra sem ser convidado? É o caso, a meu ver, da expressão ir a óbito que, de repente, saiu do campo técnico e passou a fazer parte do falar cotidiano. De algum tempo para cá, as pessoas não morrem, elas vão a óbito. Antes, íamos ao Rio de Janeiro, à Bahia ou a Pirinópolis. Os mais bem aquinhoados iam a Paris, Roma ou Londres. Ou, dependendo das circunstâncias, iam catar coquinhos, pentear macacos ou para os quintos do inferno e ainda mais longe como este lugar no qual o caro leitor está pensando. Mas, de repente, aparece este novo toque e timbre para uma palavra que ainda é tabu para muita gente, agregando movimento ao encontro com a indesejada das gentes, como escreveu Manoel Bandeira.
Bom, mas, seja lá como for, a língua se renova, o falar de todo dia dá à luz dezenas, talvez centenas de novos sentidos a termos que já moram há anos nos dicionários.
O que dizer, porém, daqueles que, ao invés de enriquecerem a última flor do Lácio com novas expressões, torturam-na com requintes de crueldade, cometendo crimes hediondos contra o idioma pátrio? Coisas como enchentivou – que será isso? Um incentivo às enchentes? Ou, então, acusar alguém de grave enrresponsabilidade, que deve ser uma irresponsabilidade muito grande, ou ainda, escrever enverde... Que é isso? Não sei, mas pode ser uma espécie de arco-íris linguístico. Vejam só: enverde amarelo pintou a parede de azul. Isso sim é grave. É a língua indo a óbito por obra e graça do falante enrresponsável.
Escrever é uma arte difícil, todos sabem disso. Se assim não fosse, as ruas estariam cheias de Camões, Machados, Drumonds e outros tantos. Mas não é preciso apelar! Na hora da dúvida, fiquemos no terra a terra, no seguro e discreto feijão com arroz que, embora sem o charme de um steak au poivre, alimenta do mesmo jeito.
O cuidado com o idioma pátrio deveria ser preocupação de todos os falantes. Afinal, é sobre ele que é construída toda nossa cultura. E, mesmo entre os que atropelam o português – a língua, não o nativo de Portugal – há os que demonstram, de alguma forma, preocupação. Exemplo? Alguém, que não tive o desprazer de conhecer, expressou-se desta forma “Que pena que são palavras conhecidas e ultilizadas pela elite da população gramatical, pois seriá ético se várias pessoas tivessem a capacidade de dar vida e não a morte à essas palavras que esperam no tempo passado uma mudança no presente para nascerem no futuro. Como, meu caro? Você não entendeu? Sorte sua, nem eu. Não consigo imaginar aquelas muitas palavras, sentadinhas, quietas, esperando a hora de nascerem no futuro. Poderíamos chamar tal fenômeno de gestação linguística? Talvez.
Tão ou mais grave que os erros gramaticais é a incapacidade de utilizar as palavras adequadamente. Alguém, escrevendo sobre um acidente, informou que, “acionado o resgate, os helicópteros subiam a montanha na tentativa de encontrá-lo.” Como é que é cidadão? Quer dizer que os helicópteros, cansados de voar, resolveram subir a montanha a pé? Imaginemos aquela fila de helicópteros, suados, tensos, arrastando-se montanha acima para salvar um coitado que se meteu onde não devia.
Com certeza – ou concerteza, como querem alguns inovadores – a dificuldade maior está em dar coerência ao texto. Parece que há, aqui, um problema de difícil solução, representado pela distância entre o cérebro que pensa e a mão que escreve. Ao longo do braço, pelo visto, perde-se a coerência e o resultado é outra informação tenebrosa do tipo “alega imparcialidade, até se entende que não dá para ressaltar 50% dos lados, mas é implícito no explícito ou é contrário que desrespeita o leitor o ovinte etc. Como minha senhora? Está confuso? Ora, então, fica o dito pelo não dito, ou o explícito pelo implícito ou o contrário, ou vice versa, ou seja lá o que for, que seguramente não deve ser. Entendeu?
E o que dizer sobre os efeitos do álcool nos neurônios do escrevinhador? Um artista, seguramente após beber todas, escreveu que “as propagandas elaboradas para a publicidade desse produto são sempre com o mesmo dilema de que a cerveja antártica é a boa.” Que produto, caro amigo? Que dilema? Seu para escrever, meu para entender ou da Antarctica, aliás, antártica, que não tem certeza se é ou não a boa? Neste caso, perguntem à Juliana Paes.
Muito bem! Mas vamos tratar de coisa séria. Como se resolve a dificuldade que muitos têm de colocar no papel, com coerência, o que lhes passa pela cabeça? Um quase estudioso do assunto levantou a hipótese segundo a qual “os pensamentos divergêntes acarretam em ganho de conhecimento às partes envolvidas em função de complementação informacional.” Ops! Não ficou muito claro. Melhor seria que o sujeito em questão tivesse escrito que uma das possíveis soluções para tão perturbador problema é a leitura. Fora dos livros não há salvação, diz um amigo meu, leitor contumaz. É fora de dúvidas que ele tem razão. Falta leitura para muitos dos nossos patrícios. Leiam, todos! Livros, revistas, jornais, panfletos, receitas de bolo, bula de remédios, leiam, por favor, para que os espíritos dos mestres da língua possam descansar em paz.

Em tempo: aquele "enverde" que aparece alguns parágrafos atrás nada tem a ver com a cor verde. A intenção do desavisado escrevinhador era escrever “ao invés de”, mas saiu aquela barbaridade. E agora, José?

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

UM NOME PARA SER LEMBRADO

Incluída, em 1999, pela Time Magazine, entre os 50 líderes latino-americanos do novo milênio; ganhadora dos prêmios Deux Océans e Deutsche Krimi, além de indicação para o Prix Femine de romance estrangeiro com  O Matador que, juntamente com Elogio da Mentira, teve os direitos vendidos para a Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Espanha e Holanda, entre outros países.
De quem estou falando? Pois é! Muitos não saberão dizer. Lembramo-nos dos grandes nomes da literatura, nacionais e estrangeiros, e é óbvio que eles devem ser sempre lembrados, mas não damos muita atenção àqueles que podem ombrear com os expoentes das letras.
E então? A curiosidade é grande? Pois bem, trata-se de Patrícia Melo. Seu romance Mundo Perdido traz de volta o personagem Máiquel, de O Matador. O texto é duro como a violência da narrativa e retrata com crueza a sociedade em que vivemos. Sobre a autora disse a revista francesa Lire em relação a seu outro livro Valsa negra: "a sátira social [de Patrícia Melo] mostra o absurdo do mundo, a loucura dos ambiciosos e o desespero dos fracos".
* Você encontra Mundo perdido na Livraria Leitura (Alameda e Taguatinga Shopping) em promoção, por R$ 9,90.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

CRIMES E MISTÉRIO NA PRÚSSIA DO SÉCULO XIX

Os amantes dos romances policiais de mistério provavelmente fizeram sua iniciação com o personagem Sherlock Holmes, criação de Sir Arthur Conan Doyle, que apareceu, pela primeira vez, no romance Um Estudo em Vermelho, publicado em 1887 e ficou famoso por utilizar, para resolver mistérios aparentemente insolúveis, o método científico e a lógica dedutiva.
Todavia, ao longo destes quase 130 anos, outros nomes surgiram e se destacaram na literatura policial de mistério, caso de Edgar Alan Poe e seu Os Crimes da Rua Morgue, a inglesa Agatha Christie, cuja obra é considerada uma das melhores do gênero, e que imortalizou o detetive Hercule Poirot, e a também inglesa P.D. James, uma das escritoras que mais influenciaram o romance de mistério, criadora do personagem Adam Dalgliesh, inspetor-chefe da Scotland Yard, que surgiu no romance O Enigma da Sally Jump (1962).
E hoje? O que há de novo para deleite dos aficionados no gênero? Muitos nomes, e destaco uma descoberta recente: Michael Gregorio, autor de A Crítica da Razão Criminosa, best seller internacional, no qual o personagem Hanno Stifeniis conta com a ajuda do filósofo Immanuel Kant (ele mesmo!) para resolver uma sucessão de assassinatos misteriosos em Könisgsberg, na Prússia do século XIX.
Agora, Hanno Stifennis depara-se com outro caso que o desafia em Dias de Perdão, um romance que se destaca, também, pela reconstituição da Prússia ocupada pelas tropas francesa sob o comando de Napoleão Bonaparte.
A Crítica da Razão Criminosa e Dias de Perdão são títulos que, com certeza, agradarão àqueles que gostam da literatura de mistério de boa qualidade.

MACHADO, SEMPRE MACHADO

A entrevista de Philip Roth publicada pela revista Época (edição 698/3-10-2011) revela, entre outras coisas, um dado interessante. Considerado pela crítica especializada o maior escritor vivo e sempre presente na lista dos prováveis ganhadores do Nobel, Roth faz uma declaração que exalta um dos maiores (senão o maior) nome da literatura brasileira. Ao afirmar que não conhece coisa alguma do Brasil e da nossa cultura e que nunca ouviu falar de um escritor brasileiro contemporâneo, ele diz que leu apenas um romance de autor brasileiro, e que gostou muito do texto. O livro? Memórias Póstumas de Brás Cubas (publicado nos Estados Unidos com o título Epitaph for a small winner), de Machado de Assis. O livro foi-lhe recomendado pelo crítico inglês John Gledson, e Harold Bloom (um dos mais respeitados críticos literários do mundo) colocou o livro de Machado de Assis entre os maiores exemplos do cânone ocidental, considerando Machado um gênio.
Não é, pois, sem razão que Joaquim Maria Machado de Assis tornou-se o nome imorredouro da literatura brasileira.