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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

QUEM QUER O FIM DO PAPEL?


Qualquer conversa, hoje, que tenha os produtos impressos (livros e jornais) como centro de discussão leva inevitavelmente a uma encruzilhada: o texto no papel vai acabar um dia? Uns apostam que os próximos 50 anos verão uma drástica diminuição no volume de textos impressos. Um dos argumentos, bem ao agrado dos ecologistas, refere-se à sobrevida das árvores. Dizem eles que quanto menos papel, menos árvores abatidas. É um pensamento muito simplista: há muitas empresas que trabalham com o manejo no cultivo de árvores, plantando-as em áreas cuidadosamente trabalhadas, até porque é delas que vem sua matéria-prima: a celulose, e dessa, o papel. Outros afirmam que a tecnologia será a responsável pelo fim do livro e do jornal impressos, e apontam os e-books e o jornal online como os carrascos daquilo que, hoje, eles já veem como espécimes em extinção.
Não creio que seja possível afirmar, hoje, que livros e jornais desaparecerão em meio século. Devemos lembrar que a palavra escrita ainda é nossa ferramenta mais efetiva para conhecermos e compreendermos o mundo.
A escrita surgiu há cerca de 6 mil anos, quando as palavras eram escritas em tabuletas de argila ou de pedra. Mais tarde, por volta de 3.500 a.C. os sumérios criaram a escrita cuneiforme, mais ou menos na mesma época em que surgiram os hieróglifos. A disseminação da escrita pelo mundo antigo levou à busca por novos materiais que servissem de base para as palavras e, três milênios antes de Cristo, os egípcios inventaram o papiro, nome que deriva de uma planta que cresce nas margens do Nilo e da qual eram extraídas fibras para a fabricação, por exemplo, de cordas e de embarcações. De suas folhas fazia-se, também, o papiro para a escrita.
Outros materiais surgiram, como os pergaminhos, feitos do couro curtido de bovinos, bem mais resistentes que o papiro. Finalmente, 105 anos depois de Cristo, um chinês, T’sai Lun, inventou o papel, a partir de uma mistura umedecida de casca de amoreira. E, embora o segredo tenha sido cuidadosamente guardado, em 610 A.D. o papel chegou ao Japão e, daí, espalhou-se pela Ásia Central, o Tibete, a Índia e, graças aos árabes, passou a ser fabricado em centros desenvolvidos no Oriente (Bagdá, Damasco e Cairo) chegando ao Marrocos e, daí, cruzando o Mediterrâneo, aportou na Espanha e na Sicília.
Hoje, ao abrimos um livro ou um jornal, não paramos para pensar no caminho longo percorrido por aquele material que temos nas mãos. Será que, após seis milênios de presença em todos os cantos do mundo, o papel vai, simplesmente, desaparecer?
Jornais online são importantes, sem dúvida. Eles nos dão, praticamente em tempo real, notícias mesmo das mais remotas regiões do mundo. Mas de forma rápida e, em geral, superficial, sem muito aprofundamento. Os detalhes, as causas, os desdobramentos, tudo isso vai ser lido no bom e velho jornal na manhã seguinte. E o que dizer do prazer de ler um livro, de rabiscar suas páginas, de marcar aqui e ali passagens que nos tocam? E não se pode dizer que eles são menos práticos que os e-books. Além do mais, livros não são passíveis de problemas técnicos, não têm baterias para serem recarregadas, não dependem de chips que podem apresentar problemas. Basta abri-los e viajar na narrativa.
Bill Gates, presidente da Microsoft, já tentou mostrar a existência de uma sociedade sem papel. Só que, para expor seus pontos de vista a respeito do tema, ele teve que escrever um livro, isto é, dobrou-se ao papel.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

QUE LÍNGUA É ESSA?


José Geraldo C. Trindade

No conto “O espelho”, Guimarães Rosa usa a expressão salto mortale no lugar da palavra morte, e justifica: “por precisarem de toque e timbre novos as comuns expressões amortecidas”. Quer dizer, por que não usarmos, de vez em quando, palavras ou expressões que deem nova cor ao texto, ao invés de usarmos outras de uso comum e já batidas pelo tempo de uso? Até aí, tudo bem. A língua é rica e podemos construir metáforas, metonímias e mais o que for necessário para dar mais beleza ao discurso.
O que dizer, porém, de expressões que invadem a língua com a desfaçatez de quem entra sem ser convidado? É o caso, a meu ver, da expressão ir a óbito que, de repente, saiu do campo técnico e passou a fazer parte do falar cotidiano. De algum tempo para cá, as pessoas não morrem, elas vão a óbito. Antes, íamos ao Rio de Janeiro, à Bahia ou a Pirinópolis. Os mais bem aquinhoados iam a Paris, Roma ou Londres. Ou, dependendo das circunstâncias, iam catar coquinhos, pentear macacos ou para os quintos do inferno e ainda mais longe como este lugar no qual o caro leitor está pensando. Mas, de repente, aparece este novo toque e timbre para uma palavra que ainda é tabu para muita gente, agregando movimento ao encontro com a indesejada das gentes, como escreveu Manoel Bandeira.
Bom, mas, seja lá como for, a língua se renova, o falar de todo dia dá à luz dezenas, talvez centenas de novos sentidos a termos que já moram há anos nos dicionários.
O que dizer, porém, daqueles que, ao invés de enriquecerem a última flor do Lácio com novas expressões, torturam-na com requintes de crueldade, cometendo crimes hediondos contra o idioma pátrio? Coisas como enchentivou – que será isso? Um incentivo às enchentes? Ou, então, acusar alguém de grave enrresponsabilidade, que deve ser uma irresponsabilidade muito grande, ou ainda, escrever enverde... Que é isso? Não sei, mas pode ser uma espécie de arco-íris linguístico. Vejam só: enverde amarelo pintou a parede de azul. Isso sim é grave. É a língua indo a óbito por obra e graça do falante enrresponsável.
Escrever é uma arte difícil, todos sabem disso. Se assim não fosse, as ruas estariam cheias de Camões, Machados, Drumonds e outros tantos. Mas não é preciso apelar! Na hora da dúvida, fiquemos no terra a terra, no seguro e discreto feijão com arroz que, embora sem o charme de um steak au poivre, alimenta do mesmo jeito.
O cuidado com o idioma pátrio deveria ser preocupação de todos os falantes. Afinal, é sobre ele que é construída toda nossa cultura. E, mesmo entre os que atropelam o português – a língua, não o nativo de Portugal – há os que demonstram, de alguma forma, preocupação. Exemplo? Alguém, que não tive o desprazer de conhecer, expressou-se desta forma “Que pena que são palavras conhecidas e ultilizadas pela elite da população gramatical, pois seriá ético se várias pessoas tivessem a capacidade de dar vida e não a morte à essas palavras que esperam no tempo passado uma mudança no presente para nascerem no futuro. Como, meu caro? Você não entendeu? Sorte sua, nem eu. Não consigo imaginar aquelas muitas palavras, sentadinhas, quietas, esperando a hora de nascerem no futuro. Poderíamos chamar tal fenômeno de gestação linguística? Talvez.
Tão ou mais grave que os erros gramaticais é a incapacidade de utilizar as palavras adequadamente. Alguém, escrevendo sobre um acidente, informou que, “acionado o resgate, os helicópteros subiam a montanha na tentativa de encontrá-lo.” Como é que é cidadão? Quer dizer que os helicópteros, cansados de voar, resolveram subir a montanha a pé? Imaginemos aquela fila de helicópteros, suados, tensos, arrastando-se montanha acima para salvar um coitado que se meteu onde não devia.
Com certeza – ou concerteza, como querem alguns inovadores – a dificuldade maior está em dar coerência ao texto. Parece que há, aqui, um problema de difícil solução, representado pela distância entre o cérebro que pensa e a mão que escreve. Ao longo do braço, pelo visto, perde-se a coerência e o resultado é outra informação tenebrosa do tipo “alega imparcialidade, até se entende que não dá para ressaltar 50% dos lados, mas é implícito no explícito ou é contrário que desrespeita o leitor o ovinte etc. Como minha senhora? Está confuso? Ora, então, fica o dito pelo não dito, ou o explícito pelo implícito ou o contrário, ou vice versa, ou seja lá o que for, que seguramente não deve ser. Entendeu?
E o que dizer sobre os efeitos do álcool nos neurônios do escrevinhador? Um artista, seguramente após beber todas, escreveu que “as propagandas elaboradas para a publicidade desse produto são sempre com o mesmo dilema de que a cerveja antártica é a boa.” Que produto, caro amigo? Que dilema? Seu para escrever, meu para entender ou da Antarctica, aliás, antártica, que não tem certeza se é ou não a boa? Neste caso, perguntem à Juliana Paes.
Muito bem! Mas vamos tratar de coisa séria. Como se resolve a dificuldade que muitos têm de colocar no papel, com coerência, o que lhes passa pela cabeça? Um quase estudioso do assunto levantou a hipótese segundo a qual “os pensamentos divergêntes acarretam em ganho de conhecimento às partes envolvidas em função de complementação informacional.” Ops! Não ficou muito claro. Melhor seria que o sujeito em questão tivesse escrito que uma das possíveis soluções para tão perturbador problema é a leitura. Fora dos livros não há salvação, diz um amigo meu, leitor contumaz. É fora de dúvidas que ele tem razão. Falta leitura para muitos dos nossos patrícios. Leiam, todos! Livros, revistas, jornais, panfletos, receitas de bolo, bula de remédios, leiam, por favor, para que os espíritos dos mestres da língua possam descansar em paz.

Em tempo: aquele "enverde" que aparece alguns parágrafos atrás nada tem a ver com a cor verde. A intenção do desavisado escrevinhador era escrever “ao invés de”, mas saiu aquela barbaridade. E agora, José?

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

UM NOME PARA SER LEMBRADO

Incluída, em 1999, pela Time Magazine, entre os 50 líderes latino-americanos do novo milênio; ganhadora dos prêmios Deux Océans e Deutsche Krimi, além de indicação para o Prix Femine de romance estrangeiro com  O Matador que, juntamente com Elogio da Mentira, teve os direitos vendidos para a Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Espanha e Holanda, entre outros países.
De quem estou falando? Pois é! Muitos não saberão dizer. Lembramo-nos dos grandes nomes da literatura, nacionais e estrangeiros, e é óbvio que eles devem ser sempre lembrados, mas não damos muita atenção àqueles que podem ombrear com os expoentes das letras.
E então? A curiosidade é grande? Pois bem, trata-se de Patrícia Melo. Seu romance Mundo Perdido traz de volta o personagem Máiquel, de O Matador. O texto é duro como a violência da narrativa e retrata com crueza a sociedade em que vivemos. Sobre a autora disse a revista francesa Lire em relação a seu outro livro Valsa negra: "a sátira social [de Patrícia Melo] mostra o absurdo do mundo, a loucura dos ambiciosos e o desespero dos fracos".
* Você encontra Mundo perdido na Livraria Leitura (Alameda e Taguatinga Shopping) em promoção, por R$ 9,90.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

CRIMES E MISTÉRIO NA PRÚSSIA DO SÉCULO XIX

Os amantes dos romances policiais de mistério provavelmente fizeram sua iniciação com o personagem Sherlock Holmes, criação de Sir Arthur Conan Doyle, que apareceu, pela primeira vez, no romance Um Estudo em Vermelho, publicado em 1887 e ficou famoso por utilizar, para resolver mistérios aparentemente insolúveis, o método científico e a lógica dedutiva.
Todavia, ao longo destes quase 130 anos, outros nomes surgiram e se destacaram na literatura policial de mistério, caso de Edgar Alan Poe e seu Os Crimes da Rua Morgue, a inglesa Agatha Christie, cuja obra é considerada uma das melhores do gênero, e que imortalizou o detetive Hercule Poirot, e a também inglesa P.D. James, uma das escritoras que mais influenciaram o romance de mistério, criadora do personagem Adam Dalgliesh, inspetor-chefe da Scotland Yard, que surgiu no romance O Enigma da Sally Jump (1962).
E hoje? O que há de novo para deleite dos aficionados no gênero? Muitos nomes, e destaco uma descoberta recente: Michael Gregorio, autor de A Crítica da Razão Criminosa, best seller internacional, no qual o personagem Hanno Stifeniis conta com a ajuda do filósofo Immanuel Kant (ele mesmo!) para resolver uma sucessão de assassinatos misteriosos em Könisgsberg, na Prússia do século XIX.
Agora, Hanno Stifennis depara-se com outro caso que o desafia em Dias de Perdão, um romance que se destaca, também, pela reconstituição da Prússia ocupada pelas tropas francesa sob o comando de Napoleão Bonaparte.
A Crítica da Razão Criminosa e Dias de Perdão são títulos que, com certeza, agradarão àqueles que gostam da literatura de mistério de boa qualidade.

MACHADO, SEMPRE MACHADO

A entrevista de Philip Roth publicada pela revista Época (edição 698/3-10-2011) revela, entre outras coisas, um dado interessante. Considerado pela crítica especializada o maior escritor vivo e sempre presente na lista dos prováveis ganhadores do Nobel, Roth faz uma declaração que exalta um dos maiores (senão o maior) nome da literatura brasileira. Ao afirmar que não conhece coisa alguma do Brasil e da nossa cultura e que nunca ouviu falar de um escritor brasileiro contemporâneo, ele diz que leu apenas um romance de autor brasileiro, e que gostou muito do texto. O livro? Memórias Póstumas de Brás Cubas (publicado nos Estados Unidos com o título Epitaph for a small winner), de Machado de Assis. O livro foi-lhe recomendado pelo crítico inglês John Gledson, e Harold Bloom (um dos mais respeitados críticos literários do mundo) colocou o livro de Machado de Assis entre os maiores exemplos do cânone ocidental, considerando Machado um gênio.
Não é, pois, sem razão que Joaquim Maria Machado de Assis tornou-se o nome imorredouro da literatura brasileira.