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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

FLORES DO CERRADO


José Geraldo C. Trindade

O dia amanhece. Os primeiros raios do sol espalham calor pelo solo, dourando a vegetação. As flores parecem acordar ao chamado dos raios solares. Aos poucos, as minúsculas gotas do sereno evaporam e os reflexos antes prateados sobre as folhas e flores dão lugar ao mundo de cores que caracteriza a flora do cerrado.
À medida que o calor aumenta, as flores tornam-se mais vivas, mais dispostas, prontas para enfrentar mais um dia. É a vastidão do cerrado que começa a ganhar um sem número de cores e de matizes saídos da paleta do mais sensível dos artistas: a natureza. Até onde os olhos alcançam, a rica e, por vezes, exótica flora prende os olhos do observador mais curioso. E há muito o que admirar.
As chuvas ainda não chegaram e, por isso, a sucupira do campo expõe suas flores azul-escuras, quase roxas. Mais adiante, destacam-se o amarelo intenso da bolsa-de-pastor e as pequeninas flores amarelas da marcela. Acolá, o ipê, com suas delicadas flores de um amarelo forte, sobressai majestoso entre as demais árvores e arbustos do cerrado. As orquídeas, de muitas cores e formatos, saúdam o dia que desponta com a força de sua requintada e exótica beleza. Mas, entre todas as flores do cerrado, uma se destaca pelo efêmero de sua existência: é a embiruçu. Ela nasce com o sol, proporcionando o belo espetáculo de seus finos estames branco-amarelados, e morre com ele. Sua beleza simples não dura mais que poucas horas. É como se ela nos lembrasse de que tudo é passageiro, nada permanece, nem mesmo as lembranças.
Não há uma época mais bonita que outra no cerrado. Enquanto as chuvas não chegam, a paisagem é de uma beleza quase agressiva e rude. É a época do estio, da seca que cresta o chão e mata flores e arbustos que são próprios de outra estação. É a época em que o céu, do mais puro azul, parece cobrir o cerrado e em que a noite derrama sobre as pétalas o orvalho, uma bênção que se espalha sobre todas as flores, sobre todas a folhas, como se para aliviá-las do calor do dia.
Um dia nasce, e mais outro, e mais outro, e mais outro, no eterno renascer da vida. E a mágica beleza do cerrado se revela, também, nos longos estames vermelhos da esponjinha, nas flores brancas do marmeleiro-do-cerrado, nas graciosas flores brancas da magava brava e nas flores brancas do jatobá-do-campo.
Essas e muitas outras flores, próprias do estio, são a prova de que o cerrado não morre e de que, mesmo sob a inclemência do sol, a beleza delicada das flores enche o cerrado de vida. E, em meio a esta beleza agreste, selvagem, os delicados estames da embiruçu continuam seu ciclo interminável de vida e morte ao nascer e ao pôr do sol.
Um dia, porém, o cenário se transforma. O azul do céu desaparece, escondido por nuvens escuras, e gotas de chuva tocam o solo seco do cerrado anunciando um novo milagre. É a estação das águas, e os estames compridos e amarelos dos piquizeiros despontam, marcando a chegada de um novo tempo. Mais um pouco e as chuvas cairão com mais intensidade, e o ciclo de vida do errado encerrará uma fase e dará início a outra.
Não demora e as flores alvas e grandes da mangaba, as pequeninas flores amareladas da douradinha-do-campo e as delicadas flores rosa-marrom da imbaúba, entre muitas outras, darão novas cores ao cerrado.
O milagre das águas traz outro milagre: o da vida que se renova. É como se as águas lavassem tudo o que passou e preparassem o mundo para um novo espetáculo de beleza.
Com a chegada das águas, a embiruçu mergulha em seu longo sono, do qual só despertará quando as chuvas forem embora. Respira-se, nesta época, o ar mais úmido e o cheiro de terra molhada. O verde que cobre o cerrado é mais intenso. E um mundo de novas formas e cores, antes adormecido, abre-se para a luz do dia. As vistosas flores brancas do pau-santo, as pequenas flores brancas das cinco-folhas, as belas flores roxo-azuladas do maracujá silvestre, são elas que, agora, enchem o cerrado de vida e de beleza.
O tempo avança e o festival de cores e formas continua. Molhadas pelas águas da chuva, a guela-de-pato, com suas flores brancas e rosas, as flores laranja e amarelo da chapéu-de-couro e as lindas flores amarelas do pau-terra integram-se à melodia do cores que ilumina o cerrado.
O tempo avança ainda mais e, um dia, pouco após o nascer do sol, os delicados estames brancos da embiruçu saúdam mais uma vez a luz do dia. Ela vai morrer no final da tarde e renascer na manhã seguinte, marcando o início de mais um ciclo na vida do cerrado. As águas se foram, é tempo de estio, é o tempo de novas cores e formas nas manhãs e noites do cerrado.

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