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terça-feira, 1 de novembro de 2011

Aos miseráveis, nem batatas...

No momento em que o mundo comemora (?) o nascimento do habitante 7 bilhões, a Agência Globo informa que, diariamente, 7,6 milhões de crianças morrem por causas evitáveis. Para reduzir (já que não parece possível evitar) este morticínio, seriam necessários programas que beneficiariam 90% das crianças em estado grave de desnutrição – o que representaria a salvação de 1,1 milhão de crianças  e prevenindo a desnutrição em outros 150 milhões. Há dinheiro no mundo para ações deste tipo? Claro que sim! Basta lembrar que as nações que integram o G-20 são responsáveis por 90% do PIB do mundo. Até aí, tudo bem. Agora vem a melhor (ou pior?) parte da notícia. Para salvar todas estas crianças seriam necessários investimentos da ordem de 11,8 bilhões de dólares por ano. É muito? Pois saibam que cálculos feitos pela ONG Visão Mundial mostram que nos Estados Unidos os gastos com batatas fritas chegam, anualmente, a 13,6 bilhões de dólares. É isso mesmo: US$ 13,6 bilhões em batatas fritas, e só nos Estados Unidos.
Dá para acreditar que há alguém – entre os que detêm o poder no mundo – interessado em salvar vidas de crianças na África, por exemplo? Muitos ainda têm gravada na memória a imagem do abutre esperando a morte por desnutrição de uma menina sudanesa. A foto, que deu a seu autor, o sul-africano Kevin Carter, o prêmio Pullitzer para a melhor fotografia de 1994, correu o mundo e ainda hoje é um símbolo cruel da miséria e da insensibilidade humana. Carter fez a foto, enxotou o abutre e foi em busca de outras imagens, abandonando a menina à mercê da sorte. Ele suicidou-se pouco tempo depois, aos 32 nos, envenenando-se com o monóxido de carbono do escapamento do próprio carro, por não aguentar o peso na consciência, tornado maior pela divulgação mundial da foto e pela curiosidade dos que queriam saber o porquê de ele ter-se limitado à foto, sem tentar salvar a criança.
E quantas outras crianças estão, ainda hoje, 17 anos depois, servindo de repasto para abutres nas vastidões miseráveis da África e em muitos outros lugares do mundo? Se uma imagem tão cruelmente chocante como aquela não comoveu o mundo, não levou a ações efetivas para que aquela cena não mais se repetisse, como acreditar que outros milhões de crianças não terão o mesmo destino, enquanto o mundo come, tranquilamente, batatas fritas?
A ironia machadiana encontra espaço aqui: “ao vencedor, as batatas”, aos miseráveis, os olhos agudos dos abutres. 

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